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Linguagem Cinematográfica

Quando assistimos a um ​filme hoje, em geral, não estranhamos a forma como aquela história está sendo contada. A não ser que seja de maneira muito diferente da maioria dos filmes, não é algo que em comum percebemos.

 

Em grande parte, isso acontece porque já estamos bem acostumados com as convenções estabelecidas pelas narrativas cinematográficas. Mas isso nem sempre foi assim. A criação e consolidação dessa linguagem remonta ao início do que ficou conhecido como sétima arte.

A invenção do Cinema – se é que podemos assim chamar – tem relação direta com diversos experimentos e inventores que ao longo da História pensaram e aprimoraram as formas de criação, captação e projeção de imagens, no que podemos chamar de pré-cinema.

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Auguste e Louis Lumière

Franceses, ambos eram engenheiros, filhos do maior fabricante de películas fotográficas da Europa. Os irmãos realizaram a primeira grande exibição do seu invento no dia 28 de dezembro de 1895, no Grand Café em Paris. 

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Assim, um conjunto de circunstâncias técnicas e tecnológicas proporcionaram que, ao final do século XIX, vários inventores apresentassem suas versões de aparelhos que projetavam imagens em movimento. Entre esses, talvez os mais famosos sejam os irmãos Auguste e Louis Lumière. ​​​​​​

 

Apesar de não serem os únicos concorrentes como “pais” do Cinema, esses franceses acabaram se destacando na história de origem da sétima arte. Seu sucesso se deve muito às suas habilidades comerciais, mas também pelo design do seu cinematógrafo, muito mais leve e funcional que outros aparelhos da época.

Mas será que já tínhamos uma linguagem cinematográfica?

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Cinematógrafo

Podia funcionar como câmera ou projetor e fazer cópias dos negativos. Não usava luz elétrica (manivela) e seu mecanismo era baseado nas máquinas de costura, captando as imagens numa velocidade de 16 quadros por segundo em um filme de 35 mm.

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De acordo com Flávia Cesarino Costa, o período do primeiro cinema pode ser dividido em duas fases. A primeira corresponde ao domínio do "cinema de atrações" e vai de 1894 até 1906-1907. A segunda vai de 1906 até 1913-1915, chamado "período de transição", quando os filmes passam gradualmente a se estruturar narrativamente, baseados em convenções exclusivamente cinematográficas (Mascarello, 2006).

O cinema de atrações (1894-1906/1907)

Os aparelhos que projetavam imagens em movimento apareceram como uma curiosidade entre as várias invenções no final do século XIX. Desse modo, os espectadores estavam primeiramente mais interessados nos filmes como um espetáculo visual do que como uma maneira de contar histórias.

 

Os primeiros filmes têm como foco sua própria habilidade de mostrar coisas em movimento. Eram chamados vistas, em sua ampla maioria compostos por um único plano.

O que é um plano?

É a menor unidade narrativa de uma cena, correspondendo a tudo o que a câmera registra entre o início e o fim de uma gravação contínua, sem cortes. Ele define o enquadramento, a duração e o posicionamento da câmera em relação aos elementos filmados.

Porém, no início do século XX, já temos filmes com mais planos, vistas coladas ou entrecortadas por letreiros, mas a autonomia do plano ainda persistia. Ou seja, os primeiros cineastas também não se interessam muito em construir convenções para conectar os planos ou criar narrativas entre eles. 

 

Em geral, as narrativas são simples e não há muita experimentação na estrutura de relações causais e temporais entre planos. A câmera é fixa, mantendo uma noção de espectador na plateia, como em um teatro filmado.

No entanto, alguns nomes se destacam nesse período por suas experimentações e inventividade, trabalhando com novas possibilidades narrativas e visuais.

 

Entre eles, o mais conhecido talvez seja o ilusionista francês Georges Méliès, que introduziu efeitos especiais e cenários fantásticos em seus filmes.

 

Uma de suas obras mais famosas é Viagem à Lua (1902).

Você sabia que uma mulher também foi importante personagem desse período e da história do Cinema? Porém, seu nome foi apagado dos livros por muito tempo.

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Georges Méliès

Para produzir efeitos mágicos de transformações e coisas desaparecendo, ele usava recursos como a parada para substituição (interromper o funcionamento da câmera, substituir objetos no campo visual e, depois, retomar o seu funcionamento) ou trabalho de corte e colagem na película para produzir várias sobreimpressões e trucagens. Apesar de criar narrativas, suas motivações eram a fantasia e a diversão, e não comunicar ideias. Sua produtora produziu centenas de filmes, mas Méliès passou a perder público quando o Cinema encontrou uma forma narrativa própria, na década seguinte, e foi à falência em 1913.

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O cinema de transição (1906-1913/1915)

Foi um período de muitas experimentações feitas pelos cineastas ao tentar juntar planos com propósitos narrativos. Esse período verá uma descoberta progressiva de processos de expressão fílmica cada vez mais elaborados no sentido de tornar mais claras para o espectador as ações narrativas.

 

O passo fundamental para uma linguagem própria foi a relação com o espaço diegético do filme (aquilo que acontece dentro do plano), ou seja, a inclusão de fragmentos, detalhes, pontos de vista de uma cena.

 

Inicialmente os filmes só diziam "acontece isto" (Plano 1) e depois "acontece aquilo" (Plano 2), em sequência. Agora os cineastas passam a se interessar em dizer "enquanto isso”. Os filmes passam a ser mais compridos, atingindo um tamanho médio de mil pés (um rolo ou cerca de 15 minutos).

 

Por conta da crescente demandas dos exibidores, esse é o período em que a atividade se organiza em moldes industriais, com uma crescente divisão do trabalho e especialização de funções (roteiristas, cenógrafos, maquiadores, figurinistas etc.), com a figura do Produtor responsável por organizar e supervisionar esse processo.

Ao final desse período, o Cinema tinha se estabelecido como a mais importante mídia do começo do século XX e se espalhado por inúmeros países. A grande parte da produção que inicialmente se concentrou na Europa, agora se consolidava nos EUA, sobretudo por conta dos impactos da Primeira Guerra Mundial.

 

Em 1917, a maioria dos estúdios norte-americanos já se localizava em Hollywood e os filmes de longa-metragem (quatro, cinco, seis rolos, ou 60-90 minutos) ficaram mais comuns, pois os cineastas não demoraram a perceber que a duração mais longa permitia que incluíssem mais personagens e mais acontecimentos.

 

Assim, as técnicas codificadas e aprimoradas ao longo dessas décadas, na medida em que os cineastas buscavam os procedimentos para expressar suas ideias, se tornaram parte de um padrão narrativo, o início do que podemos chamar de Linguagem Cinematográfica.

Uma questão de linguagem

A teorização sobre uma linguagem própria do Cinema foi realizada desde os anos 1920, a fim de provar que se tratava de uma nova arte, diferente de outras, e por isso precisava de sua linguagem específica (Aumont, 2012). Mais tarde foi repensada e estudada sob diferentes perspectivas e ainda hoje pode ser alvo de debates e polêmicas.

 

Mesmo Marcel Martin, que escreveu uma obra clássica dos estudos cinematográficos em 1955 intitulada “A linguagem cinematográfica”, após postular os diversos procedimentos expressivos inclusos nessa linguagem, relativiza o uso do termo e reconhece a sua ambiguidade, afirmando que seria necessário preferir o conceito de “estilo”.

 

Porém, revisando a história do Cinema e analisando os usos dos elementos fílmicos que diversos realizadores atribuem em suas narrativas, foi possível estabelecer um padrão de procedimentos que – de forma bastante ambígua, como apontou Martin – compõe o “léxico” cinematográfico.

Como observa Aumont (2012), o que muda são as escolhas estilísticas dos realizadores. Formas estéticas e autorais fora desse padrão ainda são exploradas pelos cineastas – assim como foram no Neorrealismo italiano, na Nouvelle Vague francesa, no Cinema Novo brasileiro e outros, dentro do que podemos chamar “cinema moderno” (Mascarello, 2006).

Portanto, sobretudo em uma perspectiva didática, podemos chamar de linguagem cinematográfica todo esse conjunto de códigos e técnicas padronizadas ao longo do tempo do Cinema e consolidadas, principalmente, por uma narrativa clássica hollywoodiana – que domina o mercado mundial de filmes desde os anos 1920 e que acostumou o público com as características dessa linguagem.​

Tudo neste cinema caminha em direção ao controle total da realidade criada pelas imagens – tudo composto, cronometrado e previsto. Ao mesmo tempo, tudo aponta para a invisibilidade dos meios de produção desta realidade. Em todos os níveis, a palavra de ordem é “parecer verdadeiro”; montar um sistema de representação que procura anular a sua presença como trabalho de representação.

(Xavier, 2008, p. 41)

O que é Linguagem Cinematográfica?

Como dito, foi o propósito narrativo (também muito influenciado pelo interesse comercial) que impulsionou as ideias que mudaram a linguagem dos primeiros filmes, de câmeras fixas e sucessão de quadros sequenciais, para novas formas de contar o que acontecia no universo diegético da narrativa.​

 

Para isso, os cineastas passaram a experimentar e incorporar mais elementos ao plano: enquadramentos, ângulos, movimentos de câmera, iluminação etc.

 

Com a chegada da camada sonora à película, por volta do final dos anos 1920, além da inclusão de falas para os personagens também foi possível criar narrativamente com esse elemento através de músicas e efeitos sonoros.

Se o cinema é linguagem, é porque ele opera com a imagem dos objetos, não com objetos em si. A duplicação fotográfica [...] arranca ao mutismo do mundo um fragmento de quase-realidade para dele fazer o elemento de um discurso. Dispostas de forma diferente do que surgem na vida, transformadas e reestruturadas no decurso de uma intervenção narrativa, as efígies do mundo tornam-se elementos de um enunciado.

(Metz apud Martin, 2005, p. 24)

Ou seja, assim como a literatura tem sua sintaxe e vocabulário, o Cinema foi transformando esses recursos expressivos próprios em uma gramática visual e sonora que permite contar histórias sem precisar de palavras. São códigos que os cineastas utilizam para construir a condução de uma narrativa, capaz de comunicar sentimentos e ideias.

Portanto, é esse conjunto de elementos e técnicas que compõem o universo de um filme, formado por uma sucessão de escolhas, que chamamos de Linguagem Cinematográfica. Sendo assim, a linguagem cinematográfica é essencialmente manipulação.

 

Por isso, o elemento mais singular e síntese dessa linguagem é a Montagem.

PARA CONHECER E ENTENDER MELHOR SOBRE OS ELEMENTOS DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA, CONFIRA ESSA PLAYLIST DE VÍDEOS.

O que é Montagem?

Principalmente hoje, por conta das facilidades digitais para edição de vídeos, é comum se confundir montagem com o processo de "cortar e colar os pedaços de um filme". Porém, para entender o que é montagem, precisamos entender que os elementos constitutivos da linguagem cinematográfica não têm em si significação predeterminada.

 

Essa significação, do ponto de vista de quem está elaborando a narrativa, depende essencialmente das relações que serão estabelecidas entre os diferentes elementos e, em última instância, entre os diferentes planos. Assim, podemos considerar a montagem como o caráter de manipulação da linguagem cinematográfica em todos os seus níveis, da construção do plano ao corte final do filme, para criação da narrativa.​

A ocultação dessa manipulação é a base do que ficou conhecido como “montagem invisível” do cinema hollywoodiano. Esse estilo que ainda predomina nas produções cinematográficas, ancorado na continuidade dos movimentos e elementos da imagem para disfarçar a intervenção do narrador (que pode ser entendido como o diretor, o produtor ou mesmo o estúdio por trás do filme) em uma pretensa naturalidade do que é apresentado na tela, busca reforçar a “impressão de realidade”.

Esse aspecto da imagem cinematográfica, amplamente discutido por teóricos do Cinema ao longo do tempo, foi defendido e refutado sob diferentes perspectivas. Porém, apesar de não se resumir a uma visão simplista de que a imagem cinematográfica “reproduz o real”, não podemos também ignorar os impactos da "impressão de realidade" como concretos ao analisarmos a história, os usos e as formas de significação do Cinema na sociedade.

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Serguei Eisenstein

Cineasta soviético, foi um dos grandes nomes das teorias da montagem. Defendendo a ideia de que a montagem não deveria apenas conectar cenas, mas gerar novos significados por meio do choque entre imagens, Eisenstein mostrou como a justaposição de imagens podia criar sentidos novos, onde o ritmo e a duração dos cortes influenciam o impacto emocional e na resposta intelectual. Sua tese era que o conflito entre planos criava síntese, uma “terceira imagem” na mente do espectador.

Confira um exemplo no filme A Greve (1925)

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Então, o que fazemos com isso?

Os códigos e técnicas da linguagem cinematográfica, aliados às características ilusórias da "impressão de realidade", podem ser – e foram muito – usados para transmitir ideologias. Dos usos propagandísticos aos produtos da Indústria Cultural, essa característica está presente principalmente naqueles filmes que pretendem disfarçá-la sob o manto invisível da narrativa clássica, pois sabemos que existe a manipulação do processo e um ponto de vista de “quem” fala por trás de cada obra (inclusive no cinema que supostamente estaria mais próximo da realidade: o documentário).

Mesmo em narrativas que se utilizam da criação de personagens fantásticos e mundos imaginários, o uso dessa linguagem propõe ao espectador uma suspensão de descrença, pois baseia-se em elementos naturais do mundo real que criam uma conexão e dão credibilidade à história contada. Ignoramos tudo que está relacionado ao aparato do Cinema para imergir na narrativa.

 

Sendo assim, a perspectiva de letramento audiovisual deste produto é centrada não apenas no reconhecimento comum dos padrões expressivos utilizados por cineastas, resumindo a linguagem simplesmente pela técnica. Entender essa linguagem é como aprender um novo idioma — um que fala direto aos nossos sentidos, moldando a forma como percebemos o mundo na tela e fora dela.

 

Por isso, parte importante de entender a linguagem cinematográfica – e fundamental para a educação midiática – é compreender que para além de conhecer esses procedimentos, é necessário refletir sobre os seus usos dentro do estilo de cada filme, para ampliar a recepção e a interpretação do que está contido em cada obra. Para auxiliar nessas interpretações, um recurso importante é o olhar da Semiótica.

Produto educacional criado e editado por Lucas Neto, com base na pesquisa "Letramento audiovisual no Ensino Médio Integrado: contribuições para uma formação humana integral contemporânea", realizada em 2024, sob orientação do Prof. Dr. Eduardo Augusto Werneck Ribeiro

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